quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Poemas escolhidos - António Gedeão

O livro “Poemas escolhidos” de António Gedeão, foi adquirido pela biblioteca no âmbito do Plano Nacional de Leitura. Escolhemos este autor para destacar no mês de Janeiro.


António Gedeão (1906-1997), pseudónimo de Rómulo Vasco da Gama de Carvalho, nasceu e faleceu em Lisboa. Além de poeta, foi professor de Ciências Físico-Químicas, aliando a ciência à literatura. Obras poéticas: Movimento Perpétuo (1956), Teatro do Mundo (1958), Máquina de Fogo (1961), Poema para Galileu (1964), Linhas de Força (1967), Poesias Completas (1975), Poemas Póstumos (1983), Novos Poemas Póstumos (1990). Ficção: A Poltrona e Outras Novelas (1973). Teatro: RTX 78/24 (1963). Estudos: História da Fundação do Colégio Real dos Nobres (1959).



Fonte: Projecto Vercial - http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/gedeao.htm



Poema do Coração




"Eu queria que o Amor estivesse realmente no coração,

e também a Bondade,

e a Sinceridade,

e tudo, e tudo o mais, tudo estivesse realmente no coração

Então poderia dizer-vos:

"Meus amados irmãos,

falo-vos do coração",

ou então:

"com o coração nas mãos".



Mas o meu coração é como o dos compêndios

Tem duas válvulas (a tricúspide e a mitral)

e os seus compartimentos (duas aurículas e dois ventrículos).

O sangue a circular contrai-os e distende-os

segundo a obrigação das leis dos movimentos.



Por vezes acontece

ver-se um homem, sem querer, com os lábios apertados

e uma lâmina baça e agreste, que endurece

a luz nos olhos em bisel cortados.

Parece então que o coração estremece.

Mas não.

Sabe-se, e muito bem, com fundamento prático,

que esse vento que sopra e ateia os incêndios,

é coisa do simpático.

Vem tudo nos compêndios.



Então meninos!

Vamos à lição!

Em quantas partes se divide o coração?"



Lágrima de preta
 


Encontrei uma preta

que estava a chorar,

pedi-lhe uma lágrima

para a analisar.



Recolhi a lágrima

com todo o cuidado

num tubo de ensaio

bem esterilizado.



Olhei-a de um lado,

do outro e de frente:

tinha um ar de gota

muito transparente.



Mandei vir os ácidos,

as bases e os sais,

as drogas usadas

em casos que tais.



Ensaiei a frio,

experimentei ao lume,

de todas as vezes

deu-me o que é costume:



Nem sinais de negro,

nem vestígios de ódio.

Água (quase tudo)

e cloreto de sódio.

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