O livro “Poemas escolhidos” de António Gedeão, foi adquirido pela biblioteca no âmbito do Plano Nacional de Leitura. Escolhemos este autor para destacar no mês de Janeiro.
António Gedeão (1906-1997), pseudónimo de Rómulo Vasco da Gama de Carvalho, nasceu e faleceu em Lisboa. Além de poeta, foi professor de Ciências Físico-Químicas, aliando a ciência à literatura. Obras poéticas: Movimento Perpétuo (1956), Teatro do Mundo (1958), Máquina de Fogo (1961), Poema para Galileu (1964), Linhas de Força (1967), Poesias Completas (1975), Poemas Póstumos (1983), Novos Poemas Póstumos (1990). Ficção: A Poltrona e Outras Novelas (1973). Teatro: RTX 78/24 (1963). Estudos: História da Fundação do Colégio Real dos Nobres (1959).
Fonte: Projecto Vercial - http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/gedeao.htm
Poema do Coração
"Eu queria que o Amor estivesse realmente no coração,
e também a Bondade,
e a Sinceridade,
e tudo, e tudo o mais, tudo estivesse realmente no coração
Então poderia dizer-vos:
"Meus amados irmãos,
falo-vos do coração",
ou então:
"com o coração nas mãos".
Mas o meu coração é como o dos compêndios
Tem duas válvulas (a tricúspide e a mitral)
e os seus compartimentos (duas aurículas e dois ventrículos).
O sangue a circular contrai-os e distende-os
segundo a obrigação das leis dos movimentos.
Por vezes acontece
ver-se um homem, sem querer, com os lábios apertados
e uma lâmina baça e agreste, que endurece
a luz nos olhos em bisel cortados.
Parece então que o coração estremece.
Mas não.
Sabe-se, e muito bem, com fundamento prático,
que esse vento que sopra e ateia os incêndios,
é coisa do simpático.
Vem tudo nos compêndios.
Então meninos!
Vamos à lição!
Em quantas partes se divide o coração?"
Lágrima de preta
Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.
Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.
Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
quinta-feira, 6 de janeiro de 2011
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